segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

A Santíssima Trindade Kerry - D. McRoberts

O Pai incriado, o Filho incriado: o Espírito Santo incriado.



O Pai incomensurável, o Filho incomensurável: o Espíri­to Santo incomensurável.
O Pai eterno, o Filho eterno: o Espírito Santo eterno.
E, mesmo assim, não são três eternos: mas um só eterno.
A Trindade é um mistério. A aceitação reverente do que não é revelado nas Sagradas Escrituras faz-se necessário an­tes de se perguntar a respeito de sua natureza. A glória ilimitada de Deus deve ser uma forma de nos conscientizar com respeito à nossa insignificância em contraste com aquEle que é "sublime e exaltado".



Nosso reconhecimento dos mistérios de Deus, especial­mente da Trindade, exige que abandonemos a razão? Nada disso. Na Bíblia, de fato, há muitos mistérios, mas "o cristia­nismo, como 'religião revelada', centraliza-se na revelação e a revelação (segundo sua própria definição) torna manifes­to em vez de ocultar":
A razão se vê diante de uma pedra de tropeço quando confrontada pela natureza paradoxal da doutrina trinitariana. "Mas", asseverou Martinho Lutero, de modo enérgico, "pos­to que se baseie claramente nas Escrituras, a razão precisa conservar-se em silêncio sobre o assunto; devemos tão-so­mente crer".
Por isso, o papel da razão é o de auxiliar, e nunca de dominar (atitude racionalista), a entender as Escrituras, especialmente no tocante à formulação da doutrina da Trindade. Não estamos, pois, tentando explicar Deus, mas, sim, considerar as evidências históricas que estabelecem a identi­dade de Jesus como homem e também como Deus (em virtude dos seus atos milagrosos e do seu caráter divino) e, ainda, "incorporar a verdade que Jesus tornou válida no que diz respeito ao seu relacionamento eterno com Deus Pai e com Deus Espírito Santo".
Historicamente, a Igreja formulou a doutrina da Trinda­de em razão do grande debate a respeito do relacionamento entre Jesus de Nazaré e o Pai. Três Pessoas distintas - o Pai, o Filho e o Espírito Santo - são manifestadas nas Escrituras como Deus, ao passo que a própria Bíblia sustenta com tenacidade o Shema judaico: "Ouve, Israel, o SENHOR, nosso Deus, é o único SENHOR" (Dt 6.4).
A conclusão, baseada nas Escrituras, é que o Deus da Bíblia é (nas palavras do Credo Atanasiano) "um só Deus na Trindade, e a Trindade na Unidade". Isso soa irracional? Semelhante acusação contra a doutrina da Trindade pode ser, por si mesma, classificada de irracional: "Irracional é suprimir a evidência bíblica em favor da Trindade para favo­recer a Unidade, ou a evidência em favor da Unidade para favorecer a Trindade". "Nossos dados devem ter precedên­cia sobre nossos modelos - ou, melhor, nossos modelos de­vem refletir de modo sensível a gama inteira dos dados". Por isso, nosso olhar metodológico deve estar baseado na Bíblia no que diz respeito à relação tênue entre a unidade e a trindade para não polarizarmos a doutrina da Trindade num dos dois extremos: a supressão das evidências em favor da unidade (o que resultaria no unitarianismo, ou seja: que reconhece em Deus somente uma única pessoa) ou o abuso das evidências em favor de triunidade (o que resultaria no triteísmo - três deuses separados).
Uma análise objetiva dos dados bíblicos no tocante ao relacionamento entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo, revela que essa grandiosa doutrina não é uma noção abstrata, mas, na realidade, uma verdade revelada. Por isso, antes de consi­derarmos o desenvolvimento histórico e a formulação da teologia trinitariana, examinaremos as evidências bíblicas nas quais a doutrina se fundamenta.

             Evidências Bíblicas para a Doutrina

O Antigo Testamento
Deus, no Antigo Testamento, é um só Deus, que se revela pelos seus nomes, pelos seus atributos e pelos seus atos. Mesmo assim, o Antigo Testamento lança alguma luz sobre a pluralidade (uma distinção de Pessoas) na Deidade: "Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa se­melhança" (Gn 1.26). Que Deus não poderia estar conver­sando com anjos, ou com outros seres não-identificados, fica evidente no versículo 27 que se refere à criação do homem "à imagem de Deus". O contexto indica uma comunicação interpessoal divina, que requer uma unidade de Pessoas na Deidade.
Outras distinções pessoais na Deidade são reveladas nos textos que se referem ao "anjo do SENHOR" (hb. Yahweh). Esse anjo é distinguido de outros anjos. E pessoalmente identificado com Javé e, ao mesmo tempo, distinguido dEle (Gn 16.7-13; 18.1-21; 19.1-28; 32.24-30. Jacó diz: "Tenho visto a Deus face a face", com referência ao anjo do Senhor). Em Isaías 48.16; 61.1; e 63.9,10, o Messias fala. Numa oca­sião, Ele se identifica com Deus e o Espírito em união pessoal como os três membros da Deidade. Mas noutra ocasião, o Messias continua (ainda falando na primeira pessoa) a dis­tinguir-se de Deus e do Espírito.
Zacarias lança muita luz sobre o assunto ao falar, em nome de Deus, a respeito da crucificação do Messias: "E sobre a casa de Davi e sobre os habitantes de Jerusalém derramarei o Espírito de graça e de súplicas; e olharão para mim, a quem traspassaram; e o prantearão como quem pranteia por um unigénito; e chorarão amargamen­te por ele, como se chora amargamente pelo primogênito" (Zc 12.10). Fica claro que o único Deus verdadeiro está falando na primeira pessoa ("mim") com referência a ter sido "traspassado", mas Ele mesmo faz a mudança grama­tical da primeira para a terceira pessoa ("ele") com rela­ção aos sofrimentos do Messias pelo fato de ter sido "tras­passado". A revelação da pluralidade na Deidade fica bem evidente nesse texto bíblico.
Assim saímos das sombras e prefigurações do Antigo Testamento para a luz maior da revelação no Novo Testa­mento.

O Novo Testamento
João começa o prólogo do seu Evangelho com a revela­ção do Verbo: "No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus" (Jo 1.1). B. F. Westcott observa que, aqui, João leva nossos pensamentos para além do começo da Criação, no tempo, para a eternidade.12 O verbo "era" (gr. en, pretérito imperfeito de eimi, "ser") apa­rece três vezes nesse versículo e, mediante todo o versículo, o apóstolo transmite a idéia de que nem Deus, nem o Verbo (gr. Logos), tem começo; sempre existiram em conjunto, e assim continua.
A segunda parte do versículo continua: "E o Verbo esta­va com Deus [pros ton theon]". O Logos existe com Deus, em perfeita comunhão, por toda a eternidade. A palavra pros (com) revela o relacionamento "face a face" que o Pai e o Filho sempre compartilharam. A frase final de João é uma declaração nítida da divindade do Verbo: "E o Verbo era Deus".
João continua a revelar-nos que o Verbo entrou na His­tória (1.14) como Jesus de Nazaré, sendo Ele mesmo "o Único Deus, que está ao lado do Pai". E o Verbo tornou o Pai conhecido (1.18). O Novo Testamento revela, ainda que, pelo fato de Jesus Cristo ter compartilhado da glória de Deus desde toda a eternidade (Jo 17.5), Ele é objeto da adoração reservada somente a Deus: "Para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho dos que estão nos céus e na terra, e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para glória de Deus" (Fp 2.10,11; ver também Ex 20.3; Is 45.23; Hb 1.8).
Foi através do Verbo eterno, Jesus Cristo, que Deus Pai criou todas as coisas (Jo 1.3; Ap 3.14). Jesus se identifica como o soberano "Eu sou" (Jo 8.58; cf. Êx 3.14). Em João 8.59, os judeus sentiram-se impulsionados a pegar em pedras para matar a Jesus em virtude dessa refyindicação. Tentaram fazer a mesma coisa mais tarde depois de haver Ele declarado em João 10.30: "Eu e o Pai somos um". Os judeus que o escutaram consideraram-no blasfemo: "Sendo tu homem, te, fazes Deus a ti mesmo" (Jo 10.33; cf. Jo 5.18).
Paulo identifica Jesus como o Deus que provê todas as coisas: "Ele é antes de todas a coisas, e todas as coisas subsistem por ele" (Cl 1.17). Jesus é o "Deus Forte" que reinará como Rei no trono de Davi, e o tornará eterno (Is 9.6,7). Seu conhecimento é perfeito e completo. Pedro falou assim a nosso Senhor: "Senhor, tu sabes tudo" (Jo 21.17). O próprio Cristo disse: "Todas as coisas me foram entregues por meu Pai; e ninguém conhece o Filho, senão o Pai; e ninguém conhece o Pai, senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar" (Mt 11.27; cf. Jo 10.15).
Jesus agora está presente em todos os lugares (Mt 18.20), e é imutável (Hb 13.8). Ele compartilha este títu­lo com o Pai: "o Primeiro e o Último" (Ap 1.17; 22.13). Jesus é o nosso Redentor e Salvador (Jo 3.16,17; Hb 9.28; 1 Jo 2.2), nossa Vida e Luz (Jo 1.4), nosso Pastor (Jo 10.14; 1 Pe 5.4), aquele que nos justifica (Rm 5.1), e que virá em breve como "REI DOS REIS E SENHOR DOS SENHORES" (Ap 19.16). Jesus é a Verdade (Jo 14.6) e o Consolador, cujo conforto e ajuda transbordam em nossa vida (2 Co 1.5). Isaías também o chama nosso "Conse­lheiro" (Is 9.6), e Ele é a Rocha (Rm 9.33; 1 Co 10.4). Ele é santo (Lc 1.35) e habita naqueles que lhe invocam o nome (Rm 10.9,10; Ef 3.17).
Tudo quanto se pode dizer a respeito de Deus Pai, tam­bém pode ser dito a respeito de Jesus Cristo. "Em Cristo habita corporalmente toda a plenitude da divindade" (Cl 2.9). "Cristo... é sobre todos, Deus bendito eternamente" (Rm 9.5). Jesus falou de sua plena igualdade com o Pai: "Quem me vê a mim vê o Pai... estou no Pai, e o Pai, em mim" (Jo 14.9-11).
Jesus reivindicava plena divindade para o Espírito Santo: "E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Consolador, para que fique convosco para sempre" (Jo 14-16). Ao chamar o Espírito Santo allon parakleton ("outro ajudador do mesmo tipo que Ele mesmo"), Jesus afirmou que tudo quanto pode ser afirmado a respeito de sua natureza pode ser dito a respeito do Espírito Santo. Por isso, a Bíblia dá testemunho da divindade do Espírito Santo como a Terceira Pessoa da Trindade.
O Salmo 104.30 revela o Espírito Santo como o Criador: "Envias o teu Espírito, e são criados, e assim renovas a face da terra". Pedro se refere a Ele como Deus (At 5.3,4), e o autor da Epístola aos Hebreus chama-o "Espírito eterno" (Hb 9.14).
A exemplo de Deus, o Espírito Santo possui os atributos da Deidade. Ele tem conhecimento de todas as coisas: "O Espírito penetra todas as coisas, ainda as profundezas de Deus... Ninguém sabe as coisas de Deus, senão o Espírito de Deus" (1 Co 2.10,11). Ele está presente em todos os lugares (SI 139.7,8). Embora o Espírito Santo distribua dons entre os cristãos, Ele mesmo permanece sendo "um só" (1 Co 12.11); Ele é constante na sua natureza. Ele é a Verdade (Jo 15.26; 16.13; 1 Jo 5.6). Ele é o Autor da Vida (Jo 3.3-6; Rm 8.10) mediante o renascimento e a renovação (Tt 3.5) e nos sela para o dia da redenção (Ef 4.30).
O Pai e nosso Santificador (1 Ts 5.23), Jesus Cristo é nosso Santificador (1 Co 1.2), e o Espírito Santo é nosso Santificador (Rm 15.16). O Espírito Santo é nosso "Conse­lheiro" (Jo 14.16,26; 15.26), e habita naqueles que o temem (Jo 14.17; 1 Co 3.16,17; 6.19; 2 Co 6.16). Em Isaías 6.8-10, o profeta indica que Deus está falando, e Paulo atribui a mesma passagem ao Espírito Santo (At 28.25,26). No que tange a isso, João Calvino observa: "Realmente, onde os profetas usualmente dizem que as palavras que pronunciam são as do Senhor dos Exércitos, Cristo e os apóstolos as atribuem ao Espírito Santo [cf. 2 Pe 1.21]". Calvino conclui: "Segue-se, portanto, que quem é o autor preeminente das profecias é verdadeiramente Jeová [Yahweh]".
"O conceito do Deus Trino e Uno acha-se somente na tradição judaico-cristã". Esse conceito não surgiu mediante a especulação dos sábios deste mundo, mas através da reve­lação outorgada passo a passo na Palavra de Deus. Em todos os escritos dos apóstolos, a Trindade é implícita e tomada como certa ( Ef 1.1-14; 1 Pe 1.2). Fica claro que o Pai, o Filho e o Espírito Santo, existem eternamente como três Pessoas distintas, mas as Escrituras também revelam a uni­dade dos três membros da Deidade.
As Pessoas da Trindade têm vontades separadas, porém nunca conflitantes (Lc 22.42; 1 Co 12.11). O Pai fala ao Filho, empregando o pronome da segunda pessoa do singu­lar: "Tu és meu Filho amado; em ti me tenho comprazido" (Lc 3.22). Jesus se oferece ao Pai pelo Espírito (Hb 9.14). Declara que veio "não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou" (Jo 6.38).
O nascimento virginal de Jesus Cristo revela o interrelacionamento entre os três membros da Trindade. O relato de Lucas diz: "E, respondendo o anjo, disse-lhe: Des­cerá sobre ti o Espírito Santo, e a virtude do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra; pelo que também o Santo, que de ti há de nascer, será chamado Filho de Deus" (Lc 1.35).
O único Deus é revelado como a Trindade na ocasião do batismo de Jesus Cristo. O Filho subiu das águas. O Espírito Santo desceu como pomba. O Pai falou dos Céus (Mt 3.16,17). Por ocasião da criação, a Bíblia menciona o envolvimento do Espírito (Gn 1.2). O autor da Epístola aos Hebreus, porém, declara explicitamente que o Pai é o Criador (Hb 1.2), e João demonstra que a criação foi realizada "por meio do" Filho (Jo 1.3; Ap 3.14). Quando o apóstolo Paulo anuncia aos atenienses que Deus "fez o mundo e tudo que nele há" (At 17.24), a única conclusão a que podemos razoavelmente chegar (juntamente com Atanásio) é que Deus é "um só Deus na Trindade, e a Trindade na Unidade".
A ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos é outro exemplo notável do relacionamento dentro da Deidade Trina e Una na redenção. Paulo declara que o Pai de Jesus Cristo ressuscitou nosso Senhor dentre os mortos (Rm 1.4; cf. 2 Co 1.3). Jesus, contudo, declarou enfaticamente que ressuscita­ria seu próprio corpo da sepultura na glória da ressurreição (Jo 2.19-21). Noutro texto, Paulo declara que Deus, medi­ante o Espírito Santo, ressuscitou Cristo dentre os mortos (Rm 8.11; cf. Rm 1.4). Lucas coroa teologicamente a orto­doxia trinitariana ao registrar a proclamação do apóstolo Paulo aos atenienses de que o único Deus ressuscitou a Cristo dentre os mortos (At 17.30,31).
Jesus coloca os três membros da Deidade no mesmo plano ao ordenar aos seus discípulos: "Ide, ensinai todas as nações, batizando-as em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo" (Mt 28.19).
O apóstolo Paulo, judeu monoteísta treinado pelo gran­de erudito rabínico Gamaliel, hebreu de hebreus; segundo a lei, fariseu (Fp 3.5), deu o carimbo definitivo à teologia trinitariana, conforme revela a sua saudação à igreja em Corinto: "A graça do Senhor Jesus Cristo, e o amor de Deus, e a comunhão do Espírito Santo sejam com vós todos" (2 Co 13.14). Os dados oferecidos pela Bíblia levam-nos decidi­damente à conclusão de que, dentro da natureza do único Deus verdadeiro, há três Pessoas, sendo que cada uma é co-eterna, co-igual e co-existente.
O teólogo ortodoxo subordina humildemente os seus pensamentos sobre a teologia trinitariana aos dados revela­dos na Palavra de Deus de maneira bem semelhante ao físico quântico ao formular a teoria paradoxal das partículas de ondas:
Os físicos quânticos concordam entre si que as entidades subatômicas são uma mistura de propriedades de ondas (W), de propriedades de partículas (P), e de propriedades quânticas (h). Os elétrons de alta velocidade, ao serem atirados através de um filme metálico, ou de cristal de níquel (como raios catódicos rápidos ou até mesmo como raios-B), difratam como raios-X. Em princípio, o raio-B é igual à luz solar empregada numa experiência de dupla ranhura ou biprísmica. A difração é um critério de comportamento semelhante a raios nas subs­tâncias; toda a teoria clássica das ondas baseia-se nisso. Além desse comportamento, porém, há muito tempo que os elétrons vêm sendo considerados partículas com carga elétrica. Um campo magnético transversal defletirá um feixe de elétrons e seu padrão de difração. Somente as partículas comportam-se dessa maneira; toda a teoria eletromagnética depende disso. Para explicar todas as evidências, os elétrons devem ser tanto partículas quando ondulatórios [grifos nossos]. Um elétron é um Pwh.
A analogia entre a Trindade e o Pwh ilustra muito bem as precauções preliminares desse capítulo, ou seja: embora o teólogo sempre deva esforçar-se por conseguir a racionalidade na formulação teológica, ele também deve preferir a revela­ção às restrições finitas da lógica humana. A Escritura, e tão­somente ela, é o ponto de partida para a teologia da Igreja Cristã.

                             Fonte: Teologia Sistemática - Horton, M. Satanley.

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